A Europa, a zona euro apresenta múltiplos desafios globais, em termos da sua governança. Recentemente co-editei um livro, com José Caetano sobre estes temas gerais de governança. Foquemo-nos, aqui, nos seus impactos na agricultura.
Os desafios da zona euro, da sua história, da sua estabilidade ou falta dela são importantes, não só para nós como cidadãos do dia-a-dia, mas também como agentes empresários agrícolas. A decisão de que culturas usar, não depende só das condições edafo-climáticas, mas também, em que moeda estão expressas estes investimentos, quer se queira quer não, dos nossos euros.
O euro foi criado após um longo processo negocial, no qual Portugal entrou logo no pelotão da frente pela mão de muitos economistas portugueses. O mítico Relatório Werner do Primeiro ministro luxemburguês, nos anos 70, foi a primeira peça para o embrião do, então ainda longínquo, euro. O euro e o plano efetivo para a moeda única só viriam a surgir com o Relatório Delors nos anos 90.
Porque é a moeda tão importante? Não é só para os economistas!
A moeda, como me ensinou Alfredo de Sousa, define-se como o guarda-chuva, i.e. pelas suas funções. Tem assim, três funções: unidade de conta, meio de pagamento e meio de reserva de valor. Sem qualquer uma dessas funções não funciona. E de nada de vale. O euro sem essas funções nada seria. Mas de que serve este relambório, para o comum do empresário agrícola?
Como é importante a estabilidade da moeda europeia para a agricultura e vice-versa?
Uns dirão, de nada vale, mais valia cada país ter a sua moeda. O euro como uma área integrada de dezanove moedas, é um mercado interno europeu gigante para os produtos agrícolas, estável, sem risco cambial entre eles. Por exemplo, exportar cortiça portuguesa para adegas alemãs ou austríacas não tem qualquer risco cambial (i.e. de conversão de moeda) porque a moeda é comum. E se for para Suíça? Sim. Aí temos de converter o euro em francos suíços, mas a moeda europeia é claramente estável.
E que mais nesta equação? E se for para os EUA, se estiver a exportar cortiça para a Califórnia, Napa Valley, a taxa de câmbio do dólar será relevante na venda face ao euro.
Voltando, novamente, à convencional economia: mas a PAC não define tudo na Agricultura europeia? Sim e não! Sem estabilidade monetária nada seríamos, o euro e a UE são uma alavanca de segurança. Basta olhar para o Reino Unido e na crise que perpassa a nível político, com uma dimensão muito superior ao Euro, que é a crise da própria saída da EU.
No livro, no último capítulo da autoria de Caleiro e Caetano, traçam-se os possíveis cenários da Zona Euro, sem medos e sem apanágios, desintegração, integração e aprofundamento. Vale a pena pensar nisto. No que pode ocorrer, ou não, para nossa segurança.
Num outro capítulo de Luís Brites Pereira e de minha co-autoria analisamos o papel da banca europeia e da União Bancária, e o que se tem feito, a criação e a proposta da Comissão do Fundo Monetário Europeu (FME), o Mecanismo de Estabilidade Europeu, e o Mecanismo de Resolução Bancária. A banca é essencial para a agricultura, para a gestão do crédito, para o mal parado, para o investimento, para o empreendedorismo. Perceber a banca permite-nos perceber o risco de crédito e como funciona.
Mas será a agricultura uma atividade retrógrada? Muitas vezes, alguns dos meus excelentes colegas têm a veleidade de dizer, que: 1) não há inovação na agricultura; 2) a haver não tem consequências; 3) não se difunde noutras áreas; 4) a política agrícola de nada serve.
Gostaria de desmontar estas quatro falsas enormidades míticas: 1) um dos mais importantes artigos de inovação e de difusão de inovação, tendo por base o sector agrícola americano, foi exatamente o de Zvi Griliches em 1957 na Econometrica; 2) a inovação agrícola tem consequências imediatas, o que comemos, como e onde comemos, a food security e a food safety importam para todos os países; 3) o prémio Nobel de 2001 partilhado entre Stiglitz, Akerlof e Weiss foi atribuído pela contribuição da informação imperfeita e assimétrica. Este tipo de análise começou exatamente não só pelos carros usados (lemons), mas pela assimetria entre o mandante (principal) e o mandatário (o agente) nos contratos agrícolas, entre quem de facto cultivava a terra (o agente), e de quem a possuía (principal). 4) Quanto à política agrícola é essencial para ordenar a paisagem, para definir estratégias e crescer com base agrícola e industrial e comercial. Não conheço nenhuma superpotência que não tenha uma forte base agrícola.
E de novo a moeda? As moedas modernas?
Serão as criptocurrencies e as blockchains inovações sem impacto na agricultura?
As blockchains, i.e. cadeias de transações informáticas encriptadas em diários de razão eletrónicos, incorruptíveis, podem ter uma aplicação imediata. Na definição do registo claro da terra daqui para o futuro, como memória incorruptível futura.
Mas afinal o que é isto? Uma minha proposta simples e concreta para o Comissário Europeu da Inovação (Carlos Moedas) e para o Comissário da Agricultura (Phil Hogan): montar o registo europeu de propriedade agrícola e urbano como uma block-chain. Assim evitava-se corrupção, problemas de baldios, e tínhamos clareza. No fundo, um banco de terras em blockchain. A pensar. Vale a pena? A Suécia começou com isto numa pequena vila e correu bem – fonte: vídeo do World Economic Forum. A ver vamos. O futuro está à porta!
Miguel Rocha de Sousa, Economista.
Para saber mais destes desafios globais económicos não só agrícolas:
Caetano e de Sousa (ed 2018) Challenges and Opportunities for Eurozone Governance, Nova Science, NY.
O vídeo do WEF sobre Blockchain (28 Agosto de 2018).